sábado, 22 de novembro de 2014

500 anos de corrupção

500 anos de corrupção

De repente, como um raio no céu claro, o governo foi tomado por extraordinário interesse pela corrupção –no passado. Na Austrália, Dilma Rousseff ensaiou "listar uma quantidade imensa de escândalos no Brasil que não foram investigados". A historiadora amadora, porém, só fingia falar sobre o passado: "Talvez esses escândalos que não foram investigados sejam responsáveis pelo que aconteceu na Petrobras". Ah, sim!, trata-se, então, do presente.
Governantes deveriam exercitar a prudência ao especular sobre corrupção em governos anteriores. Se têm conhecimento de denúncias fundamentadas, a lei os obriga a deflagrar uma investigação policial e judiciária. Se não o fazem, a fim de manipular halos de suspeita em seu benefício político, incorrem no crime de prevaricação. Os áulicos, por outro lado, não sendo autoridades, podem especular alegremente. Nesses dias de Lava Jato, é fácil identificá-los por seus frêmitos de indignação moral com a corrupção pregressa.
O passado que preferem é o recente: o governo FHC. Do nada, adoradores do estatismo começaram a honrar a memória do incauto Paulo Francis privatista de 1996, submetido a processo intimidador depois de afirmar que "os diretores da Petrobras" constituíam "a maior quadrilha que já atuou no Brasil". Mas, num tour de force, os neo-historiadores da corrupção já se aventuram em tempos anteriores, reavivando a memória da ditadura militar, que converteu em potências a Odebrecht, a Camargo Corrêa, a Mendes Júnior e a Queiroz Galvão, além de servir de berço para a OAS e a UTC. Logo, sua ira santa nos conduzirá ao estouro da bolha do Encilhamento, sob Deodoro da Fonseca, e às aquisições de escravos traficados ilegalmente por Paulino José de Souza, então ministro do Exterior, no Segundo Reinado.
O foco nos "500 anos de corrupção" não se destina a recordar que a corrupção nasceu antes de 2003, pois o óbvio dispensa explicação. A finalidade é entorpecer-nos, normalizando o escândalo em curso. Eles almejam dissolver a corrupção investigada na corrupção falada e o presente singular (a colonização partidária da Petrobras) no genérico histórico (a captura do poder público por interesses privados). Somos assim, sempre fomos, sussurram, inoculando-nos o soro da letargia, enquanto o ministro da Justiça critica a "politização" do escândalo (não a da Petrobras!). A corrupção mora na índole do povo brasileiro: "Cada um de nós tem um dedão na lama", assegura um célebre empresário, enquanto a presidente antecipa que pretende violar a lei sobre declaração de inidoneidade ("A gente não vai colocar um carimbo na empresa").
Não há lei que puna a corrupção da linguagem. Nos tempos bons, o lulopetismo anuncia-se como o Ato Inaugural: "Nunca antes na história deste país". Nos tempos ruins, exibe-se como vítima da Tradição: "Nunca foi diferente na história deste país". Mas a contradição sempre tem o potencial para se superar como dialética. Na Austrália, Dilma se esqueceu do tão recente "mensalão" para rotular o "petrolão" como o "primeiro escândalo da nossa história que é investigado". Os áulicos já a seguem (afinal, é para isso que existem), saudando o Ano Zero da guerra à corrupção.
"Dilma agora lidera a todos nós", anuncia o empresário dos dedos sujos de lama –que, casualmente, tem como maior cliente a estatal Correios. A narrativa do Ano Zero descortina possibilidades ilimitadas. Dilma "não sabia de nada"? Esqueça. Nos 12 anos em que dirigiu a Petrobras diretamente (como presidente do Conselho de Administração) ou indiretamente (como ministra e presidente da República), os partidos da "base aliada" privatizaram a estatal, desviando dezenas de bilhões de reais. Não é que a Líder dos Imundos "não sabia". Sabia –mas, sábia, deixou a operação se alastrar para, no Ano Zero, pegar todos os bandidos juntos. Ah, bom!

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2014/11/1551703-500-anos-de-corrupcao.shtml

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

'Bolivariano', você disse?

'Bolivariano', você disse?

Gilmar Mendes será, daqui a dois anos, o único ministro do STF não indicado pelo lulopetismo. À Folha (3/11), ele alertou para o risco de que o Supremo se transforme numa "corte bolivariana". Seria o lulopetismo uma versão descolorida do "bolivarianismo"?
A revolução "bolivariana" definiu como meta política a unificação da América Latina contra os EUA e, como meta econômica, a implantação de um sistema estatista. O lulopetismo não compartilha tais metas. Na economia, procura modernizar o capitalismo de estado varguista. Na política, almeja apenas uma perene hegemonia. O regime chavista é revolucionário; o lulopetismo é populista e conservador. Sob o chavismo, a Venezuela tenta ser o que Cuba tenta deixar de ser, afundando no vórtice de uma crise terminal. Sob o lulopetismo, o Brasil reitera seus próprios anacronismos, desperdiçando oportunidades históricas.
Há uma diferença crucial de origem. O movimento "bolivariano" é fruto da ruptura: nasceu do colapso da democracia oligárquica venezuelana, no "Caracazzo", o levante popular de 1989, e consolidou-se após o frustrado golpe antichavista de 2002. O lulopetismo, pelo contrário, é fruto da continuidade: surgiu com a redemocratização e conquistou o Palácio na moldura da estabilização da democracia. O chavismo substituiu a desmoralizada elite política venezuelana; o lulopetismo integrou-se às elites políticas tradicionais, até converter-se no fiador principal de seus negócios e interesses.
Palavras servem para iludir. Os ataques "bolivarianos" da campanha de Dilma contra Aécio funcionaram como toque de reunir para os movimentos sociais, o PSOL e os intelectuais de esquerda. Confrontado com o risco de derrota, o lulopetismo precisava recuperar uma franja periférica do eleitorado que se dispersava. Concluída a disputa, o governo realiza o giro ortodoxo, abandonando a "nova matriz econômica". O estelionato, anunciado pela elevação dos juros, tem roteiro conhecido: recomposição de preços de combustíveis, choque de tarifas de energia, ajuste fiscal. Os chavistas vestem-se de vermelho o tempo todo; Lula e Dilma trocam o vermelho pelo branco assim que as urnas se fecham.
Palavras têm alguma importância. Na sua Resolução Política pós-eleitoral, o PT toca os acordes de uma marcha "bolivariana" para acusar a oposição de representar o "retrocesso neoliberal", articular "manobras golpistas" e fomentar "o machismo, o racismo, o preconceito, o ódio, a intolerância". O lulopetismo, um fruto da democracia, não aprendeu até hoje a regra de ouro do pluralismo político: a legitimidade da oposição. O seu único traço comum com o "bolivarianismo" encontra-se nessa hostilidade visceral à convivência democrática entre "verdades" distintas e concorrentes. O PT não é "bolivariano", mas carrega no seu DNA a convicção pervertida dos antigos partidos comunistas: imagina-se portador da Chave da História.
O alerta de Gilmar Mendes, formulado como um equívoco conceitual, deve ser refraseado. Sob o influxo das nomeações lulopetistas, o STF não se transformará numa "corte bolivariana", pois não será posto a serviço de um projeto político revolucionário. Contudo, depois da experiência do "mensalão" e na hora da eclosão do escândalo na Petrobras, o governo procurará submeter o Supremo a um torno mecânico implacável, convertendo-o em Tribunal da Absolvição.
O contexto faz a diferença. Na "pátria bolivariana", a independência dos Poderes só existe como preceito constitucional irrelevante; no Brasil, apesar de tudo, o preceito conserva sua força, como evidencia o decreto legislativo que fulminou os "conselhos participativos". Compete ao Senado avalizar as indicações presidenciais para o STF. Diante de uma opinião pública atenta, os senadores encararão o dever de vetar a nomeação de "juízes do Partido". A Venezuela não é aqui.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2014/11/1545247-bolivariano-voce-disse.shtml

quarta-feira, 16 de julho de 2014

entendendo o decreto Bolivariano de Dilma...

Projeto que derruba decreto bolivariano de Dilma avança na Câmara
Deputados aprovam urgência para votar uma proposta que anula os efeitos do texto da presidente Dilma Rousseff, mas férias na Câmara deverá empurrar votação para agosto
Laryssa Borges e Marcela Mattos, de Brasília
Às vésperas de entrar no chamado “recesso branco”, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira o pedido de urgência para votar uma proposta que pode derrubar o decreto bolivariano da presidente Dilma Rousseff, destinado a criar conselhos populares em órgãos da administração pública. Com a aprovação da urgência, o texto ganha prioridade e pode ser votado em plenário desde que haja quórum mínimo de 257 deputados, o que não deverá ocorrer até agosto já que a Casa iniciará férias não oficiais.
Apesar da demora -- o decreto 8.243 foi assinado em 23 de maio –, a resposta da Câmara era esperada. O presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), foi pressionado por mais de uma dezena de partidos para colocar a proposta de urgência em votação na noite desta terça antes do recesso dos deputados. Desde que foi editado pelo Palácio do Planalto, o decreto provocou forte reação no Congresso, que começou nas bancadas de oposição, mas ganhou adesão de mais de dez siglas da Casa.

Leia mais:
O lado eleitoreiro do decreto bolivariano de Dilma
Para juristas, decreto de Dilma coloca o país na rota do bolivarianismo
Diante da ameaça de derrota caso o texto que susta os efeitos do decreto fosse aprovado, PT e PCdoB entraram em obstrução e conseguiram barrar a votação esvaziando o plenário. O pedido de urgência passou com 294 votos a favor e 54 contrários. Houve três abstenções. Foi uma das poucas votações da Câmara desde o começo de junho, quando os deputados deixaram Brasília e teve início a Copa do Mundo.A Medida Provisória 641, que altera a lei de comercialização da energia elétrica, tranca a pauta, mas não impede a votação do Projeto de Decreto Legislativo contra o texto de Dilma. Para pautá-lo, é necessário retirar a MP da pauta ou invertê-la, o que depende de vontade política da Casa.

O decreto de Dilma instituiu a participação de “integrantes da sociedade civil” em todos os órgãos da administração pública e, feita numa canetada, representa um assombroso ataque à democracia representativa. O texto ataca um dos pilares da democracia brasileira, a igualdade dos cidadãos, ao privilegiar grupos alinhados ao governo. O decreto do Palácio do Planalto é explícito ao justificar sua finalidade: “consolidar a participação social como método de governo”. Um dos artigos quer estabelecer, em linhas perigosas, o que é a sociedade civil: “I – sociedade civil – o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. Ou seja, segundo o texto de Dilma, os movimentos sociais – historicamente controlados e manipulados pelo PT – são a representação da sociedade civil no Estado Democrático de Direito.

“Se não derrubarmos o decreto, o senhor Gilberto Carvalho sozinho vai dizer quem compõe esse sistema de participação social montado sob a ótica de quem está no poder. Todas as ditaduras populistas do mundo tiveram episódios dessa natureza”, disse o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG). "A votação de hoje consolidou a derrota e demonstra que a maioria da Câmara rejeita a proposta do decreto", afirmou o líder da bancada do PSDB, Antônio Imbassahy (BA).

“Na Venezuela há conselhos populares para defender essa tática governista de Hugo Chávez. Eu não tolero que esse modelo seja importado para a realidade brasileira. Aqui nós temos diversos partidos, com fidelidade e raízes democráticas. Neste momento o Parlamento oferece uma resposta de que não tem nada a ver com a Venezuela e não está no caminho da estagnação, da ditadura e da opressão”, defendeu o líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE).


O lado eleitoreiro do decreto bolivariano de Dilma
A um mês do início da campanha eleitoral, presidente editou um decreto que afaga os movimentos sociais, mirando as urnas nas eleições de outubro
Desde a sua fundação, em 1980, o PT se apoia nos chamados "movimentos sociais" para avançar. Ao chegar à presidência com Lula, em 2002, o partido não descuidou da relação com grupos de sem-terra, indígenas ou estudantes com os quais já tinha laços. Eles tiveram financiamento e interlocução privilegiada com o governo. Do lado petista, nada mudou na passagem da administração Lula para a administração Dilma Rousseff. Chefe de gabinete do ex-presidente e atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho continua sendo o czar dos movimentos sociais no Planalto. O dinheiro continua a fluir. Ainda assim, o controle que o PT detém sobre essas organizações se esgarçou nos últimos tempos, ao passo que novos grupos de esquerda – como mostraram as manifestações de junho de 2013 – já não se alinham de maneira imediata à legenda. Nesse cenário, a edição no dia 23 de maio do decreto presidencial 8.243/2014 é um passo evidente na direção de cooptar, ou recooptar, os “movimentos sociais” para o projeto petista. A medida instituiu a participação de “integrantes da sociedade civil” em todos os órgãos da administração pública e, feita numa canetada, representa um assombroso ataque à democracia representativa.
Nesta semana, em um claro exemplo das dificuldades recentes de interlocução do PT com os movimentos sociais, Carvalho admitiu preocupação com a ameaça do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) de realizar um protesto nos arredores do estádio do Morumbi, palco do último amistoso da seleção brasileira antes da estreia na Copa do Mundo. Alinhados historicamente ao PT, os sem-teto se tornaram a pedra no sapato da gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), promovendo atos diários, que na maioria das vezes terminam em confusão com a polícia. Há meses, o governo federal monitora a ação de grupos que realizam protestos pelo país, mas rechaçam aproximação com partidos políticos. No ano passado, durante a onda de manifestações de junho, o presidente do PT, Rui Falcão, até tentou capitalizar e infiltrar militantes petistas nos protestos. O resultado foi pífio: petistas foram hostilizados e isolados nas ruas.
Os números da mais recente pesquisa feita pelo instituto Datafolha, divulgada na semana passada, mostram que a rejeição à presidente Dilma é a pior entre os pré-candidatos: 35% dos eleitores do país afirmam que não votariam nela de jeito nenhum em outubro. Segundo o instituto, a queda nos índices de Dilma foi mais acentuada em redutos eleitorais do PT – Regiões Norte (queda de 53% para 44%) e Nordeste (de 54% para 48%). "Ironicamente, movimentos sociais e sindicais levam o governo do PT, partido que tem sua origem 'nas ruas', a conhecer um de seus mais elevados patamares de reprovação, equivalente apenas aos observados depois das denúncias de Roberto Jefferson sobre o mensalão, em 2005", escreveu o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, no jornal Folha de S.Paulo.
Nos governos do PT, sindicatos, movimentos sociais como o MST, o MTST e entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE), foram generosamente tratados pelo governo federal – a UNE recebeu 30 milhões de reais de indenização para a construção de uma nova sede no Rio de Janeiro e quase 13 milhões de reais em convênios no governo Lula. O onipresente MST amealhou 64 milhões, em 2005, ano do escândalo do mensalão, por meio de ONGs, cujos caixas foram previamente abastecidos pelo governo por meio de convênios. Na gestão Dilma, porém, esses grupos e entidades já não consideraram suficiente ter canal direto com o Executivo federal. Resultado: cenas de indígenas, sem-terra e sem-teto tentando invadir o Palácio do Planalto ou acampados em frente à sede do governo viraram rotina. 
“A criação desses mecanismos de participação popular serve para dar voz a partidos e movimentos que não têm presença eleitoral. É um atalho, um golpe de esperteza, dando presença e direito decisório a grupos sem representatividade efetiva”, afirma o historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de História da Universidade Federal de São Carlos. “Com os conselhos populares, o PT toma o aparelho de Estado de uma forma subreptícia. É uma estratégia de leninismo tropical”, diz.
No Congresso, dez partidos se mobilizam para tentar barrar o decreto de Dilma. Segundo oRadar on-line, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), sugeriu ao Palácio do Planalto que revogue o decreto. Pressionado, Alves resiste em colocar em votação um decreto legislativo para anular os efeitos do texto presidencial.
“É um escárnio colocar como conselheiros um leque de movimentos que são apenas corrente de transmissão de partidos de ultraesquerda e de setores mais bolivarianos do PT. É a clientela do Gilberto Carvalho. É uma coisa botocuda e grosseira fazer esses conselhos”, diz o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
“A presidente já vinha flertando com esse pessoal ao receber o ‘radical chique’ do MST, o Movimento Passe Livre depois das quebradeiras que eles promoveram”, diz Aloysio. “Como está se esvaindo o prestígio da presidente Dilma nas franjas do eleitorado que o PT agregou nesses anos todos, ela se volta agora para os setores mais radicais e sensíveis a uma visão não institucional da política."
“É claro que a presidente tenta capitalizar nas eleições. Medidas como essa são para ‘inglês ver’ porque é capitalizar em cima de jogo de cena. Com esses conselhos populares ela tenta encenar um teatro de marionetes com os movimentos sociais um ano depois das manifestações de julho e no período eleitoral”, diz o presidente do DEM, senador José Agripino (DEM-RN). “Isso tudo agora que ela está em processo de queda de popularidade e de intenções de votos e quer posar com um teatro de fantoches”, completa.


terça-feira, 15 de julho de 2014

Os desiludidos da República

Há um notório sentimento popular de cansaço, de enfado, de identificação do

voto como um ato inútil, que nada muda

A proximidade das eleições permite uma breve reflexão sobre o processo de formação de uma cultura política democrática no Brasil. A República nasceu de um golpe militar. A participação popular nos acontecimentos de 15 de novembro de 1889 foi nula. O novo regime nasceu velho. Acabou interrompendo a possibilidade de um Terceiro Reinado reformista e modernizador, tendo à frente Isabel como rainha e chefe de Estado e com os amplos poderes concedidos pela Constituição de 1824.
A nova ordem foi edificada para impedir o reformismo advogado por Joaquim Nabuco, Visconde de Taunay e André Rebouças, que incluía, inclusive, uma alteração no regime de propriedade da terra. Os republicanos da propaganda — aqueles que entre 1870, data do Manifesto, e 1889, divulgaram a ideia republicana em atos públicos, jornais, panfletos e livros — acabaram excluídos do novo regime. Júlio Ribeiro, Silva Jardim e Lopes Trovão, só para recordar alguns nomes, foram relegados a plano secundário, considerados meros agitadores.
O vazio no poder foi imediatamente preenchido por uma elite política que durante decênios excluiu a participação popular. As sucessões regulares dos presidentes durante a Primeira República (1889-1930) foram marcadas por eleições fraudulentas e pela violência contra aqueles que denunciavam a manipulação do voto.
Os opositores — os desiludidos da República — passaram a questionar o regime. Se apontavam corretamente as falácias do sistema eleitoral, indicavam como meio de superação, como disse um deles, desses “governichos criminosos”, a violência, a tomada pelas armas do Estado. E mais: que qualquer reforma só poderia ter êxito através de um governo ultracentralizador, instrumento indispensável para combater os poderosos, os senhores do baraço e do cutelo, como escreveu Euclides da Cunha.
Assim, o ideal mudancista tinha no seu interior um desprezo pela democracia. Acentuava a defesa de um novo regime para atender as demandas da maioria, mas com características autoritárias. Alguns até imaginavam que o autoritarismo seria um estágio indispensável para chegar à democracia.
A Revolução de 30 construiu o moderno Estado brasileiro. Enfrentou vários desafios e deu um passo adiante no reformismo nacional. Porém, aprofundou as contradições. Se, de um lado, foram adotados o voto secreto, a Justiça Eleitoral, o voto feminino, conquistas importantes, manteve uma visão de mundo autoritária, como ficou patente desde 1935, com a repressão à rebelião comunista de novembro, e mais ainda após a implantação da ditadura do Estado Novo, dois anos depois.
A vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial deu alguma esperança de, pela primeira vez, caminharmos para o nascimento de uma ordem democrática. A Constituição de 1946 sinalizou este momento. O crescimento econômico, a urbanização, o fabuloso deslocamento populacional do Nordeste para o Sul-Sudeste, a explosão cultural-artística — que vinha desde os anos 1930 — foram fatores importantes para o aprofundamento das ideias liberal-democráticas, mesmo com a permanência do autoritarismo sob novas vestes, como no ideário comunista, tão influente naquele período.
O ano de 1964 foi o ponto culminante deste processo. A democracia foi golpeada à direita e à esquerda. Para uns era o instrumento da subversão, para outros um biombo utilizado pela burguesia para manter sua dominação de classe. Os que permaneceram na defesa do regime democrático ficaram isolados, excluídos deste perverso jogo autoritário. Um desses foi San Tiago Dantas.
Paradoxalmente foi durante o regime militar — especialmente no período ditatorial, entre os anos 1968-1978 — que os valores democráticos ganharam enorme importância. A resistência ao arbítrio foi edificando um conjunto de valores essenciais para termos uma cultura política democrática. E foram estes que conduziram ao fim do regime e à eleição de Tancredo Neves, em janeiro de 1985.
No último quartel de século, contudo, apesar das sucessivas eleições, a cultura democrática pouco avançou, principalmente nos últimos 12 anos. As presidências petistas reforçaram o autoritarismo. A transformação da luta armada em ícone nacional é um bom (e triste) exemplo. Em vez de recordar a luta democrática contra o arbítrio, o governo optou pela santificação daqueles que desejavam substituir a ditadura militar por outra, a do “proletariado”.
O processo eleitoral reforça este quadro de hostilidade à política. A mera realização das eleições — que é importante — não desperta grande interesse. Há um notório sentimento popular de cansaço, de enfado, de identificação do voto como um ato inútil, que nada muda. De que toda eleição é sempre igual, recheada de ataques pessoais e alianças absurdas. Da ausência de discussões programáticas. De promessas que são descumpridas nos primeiros dias de governo. De políticos sabidamente corruptos e que permanecem eternamente como candidatos — e muitos deles eleitos e reeleitos. Da transformação da eleição em comércio muito rendoso, onde não há política no sentido clássico. Além da insuportável propaganda televisiva, com os jingles, a falsa alegria dos eleitores e os candidatos dissertando sobre o que não sabem.
O atual estágio da democracia brasileira desanimaria até o doutor Pangloss. A elite política permanece de costas para o país, ignorando as manifestações de insatisfação. E, como em um movimento circular, as ideias autoritárias estão de volta. Vai se formando mais uma geração de desiludidos com a República. Até quando?
Marco Antonio Villa é historiador

quinta-feira, 10 de julho de 2014

MÍDIA, CONSTRUÇÃO DA DERROTA E O MITO DO HERÓI

Um auxilio para um melhor entendimento do atual contexto.


http://comunicacaoeesporte.files.wordpress.com/2010/10/mc3addia-construc3a7c3a3o-da-derrota-e-o-mito-do-herc3b3i1.pdf

sábado, 28 de junho de 2014

Dilma tenta, mais uma vez, usar o ódio como um ativo eleitoral! Lula conta piadas involuntárias

A presidente Dilma Rousseff, a criatura, participou da convenção do PT baiano que oficializou a candidatura de Rui Costa ao governo do Estado. Disse que estava feliz por estar lá no momento em que seus “adversários apelam para o ódio, apelam para os xingamentos e apelam para a política desqualificada”.
De novo essa conversa! Muito bem! Desafia-se aqui qualquer petista a demonstrar em que momento as oposições recorreram a esses expedientes. Isso nunca aconteceu! O PT, sim, é um “odiador” profissional. Quando, em 2003, Lula, o criador, lançou a tese vigarista da “herança maldita”, estava fazendo o quê? Amando? Até porque a herança era bendita. Quem xingou Dilma no Itaquerão não foi a oposição, mas os torcedores.
Lula também estava presente, claro! O homem falou, ora vejam, da necessidade de uma reforma que moralize a política. O chefão petista que, até agora, nega a existência óbvia do mensalão, se apresenta como um moralizador. Parece piada. O PT, como sabemos, insiste em fazer um plebiscito para arrancar uma constituinte exclusiva para fazer tal reforma. O expediente só seria benéfico ao próprio partido.
O ex-presidente estava mesmo propenso à piada. Afirmou que o tal “mercado” nunca apoiou o PT, o que, obviamente, é mentira. Basta ver as doações que os petistas receberam e recebem do tal “mercado”. Aliás, é do próprio Lula a frase de que o setor financeiro nunca lucrou tanto como em sua gestão, o que é verdade.
Por Reinaldo Azevedo

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Chato para a tropa da desqualificação: o conservador Pastor Everaldo fala coisa com coisa!

Pastor Everaldo: até agora, dizendo as coisas certas e, sem temer a patrulha politicamente conveniente
Pastor Everaldo: até agora, dizendo as coisas certas e sem temer a patrulha politicamente conveniente
Amplos setores da imprensa brasileira estão acostumados a tratar religiosos, especialmente evangélicos, como seres primitivos e folclóricos. A Lei 7.716 pune também o preconceito religioso, no mesmo artigo que trata de outras discriminações: de raça, cor e procedência nacional. Mas não é levado muito a sério por ninguém nesse particular. A afirmação nunca é frontal, mas são muitos os subterfúgios para sugerir que o crente — em especial o cristão, de qualquer denominação — é meio idiota, apatetado ou pilantra. A menos que se trate de um desses padres da “Escatologia da Libertação”. Se for desafiado por alguém, provo. Não é preciso ir muito longe: tentaram tirar Marco Feliciano (PSC-SP) da presidência da Comissão de Direitos Humanos na marra. Não! Eu não concordava com suas teses. Deixei isso claro. E daí? Queriam defenestrá-lo, no entanto, com base em que lei, em que código? Não havia. Era só o cerco politicamente conveniente (que não chamo mais “correto” porque, de correto, nada tem). Afinal, se é para punir alguém de quem não gostam, que mal há em transgredir a lei não é mesmo?
Muito bem! Por que essa introdução? Porque esses mesmos setores estão quebrando a cara com o Pastor Everaldo, candidato do PSC à Presidência da República. É inteligente, articulado, fala coisa com coisa e não tem receio de parecer o que é: um conservador — no melhor sentido, até agora ao menos, que essa palavra possa ter. Conheço, deixo claro, pouco de sua trajetória. Prometo tentar saber mais. Falo sobre o que leio e ouço do credo político que tem externado. Está tudo no lugar. Nos EUA, só para ter uma referência, integraria alguma ala moderada do Partido Republicano. Por aqui, ainda é tratado com certa suspicácia. Sabem como é… O homem é um cristão!!! E isso pode ser muito perigoso, né? Quando veio à luz o escândalo Luiz Moura, o deputado estadual petista que se reuniu com membros do PCC, fui ler as reportagens que haviam saído sobre ele quando apenas candidato. Foi tratado como um exemplo de recuperação! De um cristão, no entanto, convém suspeitar sempre, certo? Se um adepto do consumo de drogas se candidata, isso enriquece a democracia. Se é um pastor, há quem veja nisso grande perigo.
Everaldo esteve nesta quinta em Salvador, na convenção do PSC que oficializou o apoio à candidatura de Paulo Souto (DEM) ao governo da Bahia. Segundo informa Aguirre Talento, na Folha, afirmou:“Defendemos a vida do ser humano desde a sua concepção, defendemos a família como está na Constituição brasileira, sem discriminar ninguém. A pessoa mais democrática e liberal é Deus, que deu livre arbítrio para o homem fazer o que bem entende de sua vida. Não é o Estado que vai dizer como vai o cidadão se comportar”.
É um repúdio ao aborto — e, em todo o mundo democrático, há partidos plenamente integrados à democracia, é evidente, que têm essa pauta (só no Brasil é que se tenta criminalizar moralmente essa escolha). Deixa claro que defende a manutenção da família nos termos da Constituição, formada por homem, mulher e filhos. Mas condena discriminações ao, com acerto, afirmar que não cabe ao estado definir certos comportamentos e escolhas. Notem: um partido tem o direito de ter uma opinião sobre o que deve ser a família legalmente constituída. Tal tese, de resto, no que concerne ao estado brasileiro (e contra a Constituição), está vencida. Mas só os autoritários, fascistoides mesmo, ambicionariam impedir a expressão de uma opinião.
Gosto da coragem que tem  Everaldo de dizer coisas nas quais acredita, sem ligar para a patrulha: “Graças a Deus, estamos numa democracia, e vou repetir sempre isto; aqui não é Cuba nem Venezuela”. Na mosca! Fez, mais uma vez, uma defesa de um estado enxuto, com redirecionamento dos gastos públicos para saúde, educação e segurança pública. Está certo! No programa nacional do partido, no horário político gratuito, enfrentou a “doxa” e mandou ver: defendeu a privatização de estatais. É capaz de falar com propriedade sobre esses assuntos.
Sem máquina, sem governos de estado, dirigente de um partido pequeno, sem aparecer na televisão, sem ter a simpatia de jornalistas (muito pelo contrário), Everaldo surge com 3% ou 4% nas pesquisas de intenção de voto. E pode, escrevo de novo aqui, fazer diferença num segundo turno. Os petistas acompanham com temor a sua candidatura por motivos óbvios.
Por Reinaldo Azevedo