Projeto que derruba decreto
bolivariano de Dilma avança na Câmara
Deputados aprovam urgência para votar uma proposta que anula os efeitos
do texto da presidente Dilma Rousseff, mas férias na Câmara deverá empurrar
votação para agosto
Laryssa Borges e Marcela Mattos, de Brasília
Às vésperas de entrar no chamado “recesso branco”, a Câmara dos
Deputados aprovou na noite desta terça-feira o pedido de urgência para votar
uma proposta que pode derrubar o decreto bolivariano da presidente Dilma
Rousseff, destinado a criar conselhos populares em órgãos da administração
pública. Com a aprovação da urgência, o texto ganha prioridade e pode ser
votado em plenário desde que haja quórum mínimo de 257 deputados, o que não
deverá ocorrer até agosto já que a Casa iniciará férias não
oficiais.
Diante da ameaça de derrota caso o texto que susta
os efeitos do decreto fosse aprovado, PT e PCdoB entraram em obstrução e
conseguiram barrar a votação esvaziando o plenário. O pedido de urgência passou
com 294 votos a favor e 54 contrários. Houve três abstenções. Foi uma das
poucas votações da Câmara desde o começo de junho, quando os deputados deixaram
Brasília e teve início a Copa do Mundo.A Medida Provisória 641, que altera a
lei de comercialização da energia elétrica, tranca a pauta, mas não impede a
votação do Projeto de Decreto Legislativo contra o texto de Dilma. Para
pautá-lo, é necessário retirar a MP da pauta ou invertê-la, o que depende de
vontade política da Casa.
O decreto de Dilma instituiu a participação de “integrantes da sociedade civil”
em todos os órgãos da administração pública e, feita numa canetada, representa
um assombroso ataque à democracia representativa. O texto ataca um dos pilares
da democracia brasileira, a igualdade dos cidadãos, ao privilegiar grupos
alinhados ao governo. O decreto do Palácio do Planalto é explícito ao justificar
sua finalidade: “consolidar a participação social como método de governo”. Um
dos artigos quer estabelecer, em linhas perigosas, o que é a sociedade civil:
“I – sociedade civil – o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais
institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas
organizações”. Ou seja, segundo o texto de Dilma, os movimentos sociais –
historicamente controlados e manipulados pelo PT – são a representação da
sociedade civil no Estado Democrático de Direito.
“Se não derrubarmos o decreto, o senhor Gilberto Carvalho sozinho vai dizer
quem compõe esse sistema de participação social montado sob a ótica de quem
está no poder. Todas as ditaduras populistas do mundo tiveram episódios dessa
natureza”, disse o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG). "A votação de hoje
consolidou a derrota e demonstra que a maioria da Câmara rejeita a proposta do
decreto", afirmou o líder da bancada do PSDB, Antônio Imbassahy
(BA).
“Na Venezuela há conselhos populares para defender essa tática governista de Hugo
Chávez. Eu não tolero que esse modelo seja importado para a realidade
brasileira. Aqui nós temos diversos partidos, com fidelidade e raízes
democráticas. Neste momento o Parlamento oferece uma resposta de que não tem
nada a ver com a Venezuela e não está no caminho da estagnação, da ditadura e
da opressão”, defendeu o líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE).
O lado eleitoreiro do
decreto bolivariano de Dilma
A um mês do início da campanha eleitoral, presidente editou um decreto
que afaga os movimentos sociais, mirando as urnas nas eleições de outubro
Desde a sua fundação, em 1980, o PT se apoia nos
chamados "movimentos sociais" para avançar. Ao chegar à presidência
com Lula, em 2002, o partido não descuidou da relação com grupos de sem-terra,
indígenas ou estudantes com os quais já tinha laços. Eles tiveram financiamento
e interlocução privilegiada com o governo. Do lado petista, nada mudou na
passagem da administração Lula para a administração Dilma Rousseff. Chefe de
gabinete do ex-presidente e atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da
Presidência, Gilberto Carvalho continua sendo o czar dos movimentos sociais no
Planalto. O dinheiro continua a fluir. Ainda assim, o controle que o PT detém
sobre essas organizações se esgarçou nos últimos tempos, ao passo que novos
grupos de esquerda – como mostraram as manifestações de junho de 2013 – já não
se alinham de maneira imediata à legenda. Nesse cenário, a edição no dia 23 de
maio do decreto presidencial 8.243/2014 é um passo evidente na direção de
cooptar, ou recooptar, os “movimentos sociais” para o projeto petista. A medida
instituiu a participação de “integrantes da sociedade civil” em todos os órgãos
da administração pública e, feita numa canetada, representa um assombroso
ataque à democracia representativa.
Nesta semana, em um claro exemplo das dificuldades
recentes de interlocução do PT com os movimentos sociais, Carvalho admitiu
preocupação com a ameaça do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) de
realizar um protesto nos arredores do estádio do Morumbi, palco do último
amistoso da seleção brasileira antes da estreia na Copa do Mundo. Alinhados
historicamente ao PT, os sem-teto se tornaram a pedra no sapato da gestão do
prefeito Fernando Haddad (PT), promovendo atos diários, que na maioria das
vezes terminam em confusão com a polícia. Há meses, o governo federal
monitora a ação de grupos que realizam protestos pelo país, mas rechaçam
aproximação com partidos políticos. No ano passado, durante a onda de
manifestações de junho, o presidente do PT, Rui Falcão, até
tentou capitalizar e infiltrar militantes petistas nos protestos. O resultado
foi pífio: petistas foram hostilizados e isolados nas ruas.
Os números da mais recente pesquisa feita pelo instituto Datafolha,
divulgada na semana passada, mostram que a rejeição à presidente Dilma é a pior
entre os pré-candidatos: 35% dos eleitores do país afirmam que não
votariam nela de jeito nenhum em outubro. Segundo o instituto, a queda nos
índices de Dilma foi mais acentuada em redutos eleitorais do PT –
Regiões Norte (queda de 53% para 44%) e Nordeste (de 54% para 48%). "Ironicamente,
movimentos sociais e sindicais levam o governo do PT, partido que tem sua
origem 'nas ruas', a conhecer um de seus mais elevados patamares de reprovação,
equivalente apenas aos observados depois das denúncias de Roberto Jefferson
sobre o mensalão, em 2005", escreveu o diretor-geral do Datafolha, Mauro
Paulino, no jornal Folha de S.Paulo.
Nos governos do PT, sindicatos, movimentos sociais
como o MST, o MTST e entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE),
foram generosamente tratados pelo governo federal – a UNE recebeu 30 milhões de
reais de indenização para a construção de uma nova sede no Rio de Janeiro e
quase 13 milhões de reais em convênios no governo Lula. O onipresente
MST amealhou 64 milhões, em 2005, ano do escândalo do mensalão, por meio de
ONGs, cujos caixas foram previamente abastecidos pelo governo por meio de
convênios. Na gestão Dilma, porém, esses grupos e entidades já não consideraram
suficiente ter canal direto com o Executivo federal. Resultado: cenas de
indígenas, sem-terra e sem-teto tentando invadir o Palácio do Planalto ou
acampados em frente à sede do governo viraram rotina.
“A criação desses mecanismos de participação
popular serve para dar voz a partidos e movimentos que não têm presença
eleitoral. É um atalho, um golpe de esperteza, dando presença e direito
decisório a grupos sem representatividade efetiva”, afirma o historiador Marco
Antonio Villa, professor do Departamento de História da Universidade
Federal de São Carlos. “Com os conselhos populares, o PT toma o aparelho
de Estado de uma forma subreptícia. É uma estratégia de leninismo tropical”,
diz.
No Congresso, dez partidos se mobilizam para tentar barrar o
decreto de Dilma. Segundo oRadar on-line, o presidente da
Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), sugeriu ao Palácio do Planalto que
revogue o decreto. Pressionado, Alves resiste em colocar em votação um decreto legislativo para anular os efeitos do
texto presidencial.
“É um escárnio colocar como conselheiros um leque
de movimentos que são apenas corrente de transmissão de partidos de
ultraesquerda e de setores mais bolivarianos do PT. É a clientela do Gilberto
Carvalho. É uma coisa botocuda e grosseira fazer esses conselhos”, diz o
senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
“A presidente já vinha flertando com esse pessoal
ao receber o ‘radical chique’ do MST, o Movimento Passe Livre depois das
quebradeiras que eles promoveram”, diz Aloysio. “Como está se esvaindo o
prestígio da presidente Dilma nas franjas do eleitorado que o PT agregou nesses
anos todos, ela se volta agora para os setores mais radicais e sensíveis a uma
visão não institucional da política."
“É claro que a presidente tenta capitalizar nas
eleições. Medidas como essa são para ‘inglês ver’ porque é capitalizar em cima
de jogo de cena. Com esses conselhos populares ela tenta encenar um teatro de
marionetes com os movimentos sociais um ano depois das manifestações de julho e
no período eleitoral”, diz o presidente do DEM, senador José Agripino (DEM-RN).
“Isso tudo agora que ela está em processo de queda de popularidade e de
intenções de votos e quer posar com um teatro de fantoches”, completa.