sexta-feira, 8 de abril de 2011

O Massacre no Rio

O massacre de uma dezena e meia de jovens na escola estadual no Realengo/RJ, por um jovem de 23 anos que aparentemente e, até agora, motivo explícito nenhum teria para cometer esta tragédia nos coloca algumas questões que extrapolam o universo da tragédia produzida.
Afirmar que o jovem Wellington era louco ou esquizofrênico ou algo assim, como alguns analistas estão fazendo, é escamotear as razões sociais por trás do crime.
O fato particular e especial de ter colocado sua sanha assassina em andamento na escola onde estudou é muito significativo. Por que a escola e não um shopping, ou uma rodoviária, ou um ponto de ônibus cheio de gente? Voltar até a escola é o sinal mais evidente deixado por este jovem para entendermos suas razões.
Matou na escola por que foi lá que viveu parte de sua vida infanto-juvenil. Descobrir e entender como foi sua vida estudantil naquela escola é a melhor forma de se compreender o que se passava em sua cabeça. A escola pública é hoje o caldeirão que sintetiza a sociedade inteira, especialmente naquilo que ela possui de problemas sociais, desajustas familiares, exclusão econômica, déficit emocional, falta de referências comportamentais e de valores que possam ser reproduzido pelos jovens.
A escola pública a muito deixou de ser um lugar de formação e preparo, e há décadas que se resume a reunir uma camada social desajustada e no mais abandonada e para o qual os poderes públicos não têm projeto nem programa que possa lhes servir para transformar a vida. Explosões de violência entre alunos, descaso e inércia da burocracia escolar, professores agredidos e agredindo alunos mais uma infinita gama de coisas, já projetava a escola como o lugar potencial para uma tragédia como a que vimos.
Wellington não enlouqueceu, ele resulta de um caldo cultural social urbano que ele não conseguiu contornar nem dá outro sentido, senão o sentido, trágico, que ele ofereceu para a sociedade. Morto socialmente (é um invisível), marginalizado numa instituição social, a escola, que nada oferece em termos de possibilidade futuras, largado a própria sorte (a morte da mãe), convivendo com tipos sociais com tão poucas possibilidades como ele, lançou mão do que possuía e conhece – a violência, a mesma violência que a sociedade reproduz todos os dias com seus discursos agressivos de felicidade e realização no consumo.
Se o Brasil ofereceu a 3 ou 4 dezenas de milhões de pessoas a oportunidade de comer iogurte e comprar uma máquina de lavar, outros tantos que já comem e consomem não estão conseguindo ver luz no fim do túnel para além de um supermercado. Aqui mora a angústia. Comprar não torna ninguém mais feliz nem responde outros tipos fundamentais de pergunta.
Wellington nos chama a atenção para coisas que estão além de nos satisfazermos na alegria infantil de consumidor. A vida social nas cidades do mundo está cercada de um nível intolerável de incerteza e indeterminação. Os níveis mais elevados de violência se encontram entre jovens de até 25 anos, faixa etária de jovem Wellington. Os jovens são os que mais estão expostos a liquefação da vida e ao desaparecimento de qualquer coisa ou instituição com que se possa contar. A incerteza, a indeterminação, a imprevisibilidade de qualquer coisa, especialmente sobre si mesmo e o próprio futuro, joga as novas gerações num grau de angustia, estresse e pressão que crescentemente tem terminado em quadros crônicos de Bullying, anorexia, bulimia, violência contra tudo e todos, quando não na explosão alucinada como a da escola do Realengo.
Lembremos que vem crescendo ano a ano a violência contra a mulher, contra o gay, contra o idoso e contra a criança. Se cada caso é um caso, e é certamente todos eles se enlaçam como parte do mesmo caldo de transformações sociais e culturais que o Brasil e o mundo estão vivendo. A promessa de felicidade e realização via mercado não se cumpriu e as pessoas não encontram outra via para viver e se realizar.
Wellington matou e muitos outros gostariam de fazer o mesmo. Segundo a OMS a sociedade ocidental está doente (referindo-se a quantidade de remédios do tipo seja feliz com um comprimido que as pessoas ocidentais tomam) e, Wellington é fruto desta doença.
Este jovem estourou como um tumor na pele da sociedade, mas todos os dias a conta gotas vemos milhares de pessoas morrendo anônima e violentamente nas cidades brasileiras.
Wellington matou dezenas e isso é um massacre, mas a crise financeira de 2008, produzida a partir de Wall Street, levou a falência países inteiros por todo o mundo e a morte de milhares de pessoas e, isso é a barbárie. Mas tanto um como outro resultam da mesma cultura de morte. Luciano Alvarenga, Sociólogo