sábado, 30 de outubro de 2010



Resolução de problemas

Embora não se possa afirmar que todas as teorias de resolução de problemas acreditem que todos os problemas sejam solúveis, elas tendem a partir dessa premissa e ainda de outra: a educação ganha em taxa de utilidade, se for percebida como uma ferramenta que ajuda as pessoas no dia‑a‑dia. Esse dia-a-dia é geralmente definido como estoque de problemas, sobretudo de mercado, e a educação, desde que dotada de certas qualidades, poderia auxiliar a enfrentá-los. Entre essas qualidades, podem aparecer: não ficar apenas na teoria, não se restringir a memorizar, saber relacionar um problema com o outro, planejar as ações, e assim por diante. Em certos países, com destaque absoluto para os Estados Unidos, essa teoria vincula-se facilmente à centralidade do mercado na vida das pessoas e da sociedade, por conta da doutrina liberal capitalista. É preciso saber enfrentar a vida, que não é fácil no contexto arduamente competitivo. No fundo, a educação é importante, porque ajuda a competir. Essa marca é hoje ainda mais saliente, porque a economia tornou‑se intensiva de conhecimento.

Assim, o que temos de aprender na vida não é propriamente a resolver os problemas, mas a administrá‑los com inteligência. Primeiro, deve‑se reconhecer que, dialeticamente falando, toda realidade é problemática, não porque contenha defeito, mas porque é dinâmica, precisamente dialética. Segundo, nem todos os problemas teriam solução, porque sequer saberíamos apontar todos e menos ainda dar conta de todos. Terceiro, cada solução nova também inventa novos problemas. Quarto, a realidade sem problemas não seria real. Quando nos colocamos, por exemplo, o desafio da educação flexível e que sabe aprender sempre, temos em mente jamais uma realidade devassável, plana, linear, mas outra complexa, dinamicamente problemática, maior que nossa cabeça, nossas teorias e práticas. Não há nenhuma inteligência na idéia de acabar com os problemas, porque seria o modo de torná-los ainda mais problemáticos. Isso representaria uma visão positivista, tipicamente reducionista de conhecimento que pretende dar conta de tudo, porque reduziu o todo a seu próprio tamanho. Os problemas só são totalmente solúveis, quando reduzidos àqueles que sabemos solucionar linearmente, dentro da ditadura do método. É exatamente assim que procede a ciência moderna: reduz a realidade àquilo que seus métodos podem captar e declara o restante como irrelevante, secundário, quando não‑inexistente.

Em vez da visão positivista linear, seria mais educativo cultivar outra de caráter dialético e histórico-estrutural. Os problemas não manifestam apenas a dureza da vida, as desigualdades sociais, o sofrimento, mas, na outra face da mesma moeda, assinalam a dinâmica da realidade, sempre em polvorosa. Sinalizam o sinal dos tempos em que tudo deixa sua marca. Indicam o contexto espacial, onde tudo está de alguma forma embutido. Há estruturas, por certo, porque as coisas não acontecem de qualquer maneira e a história não pode ser simplesmente inventada. O ser humano faz sua história, mas dentro de condições dadas, como diz o materialismo histórico. Contudo, há história, que não é apenas um rito de passagem, mas uma referência explicativa, tanto quanto a estrutura. Há, assim, problemas que não passam, porque mais propriamente passamos por eles.

Nesse sentido, nada é mais simples na vida do que encontrar problemas. São muito mais abundantes do que as soluções. Vale dizer certamente que é necessário ir atrás das soluções, não só empilhar problemas. Em termos educacionais, será o caso encontrar um caminho intermediário, que saiba problematizar para também desproblematizar. Saber pensar, todavia, começa sempre pela capacidade de problematizar, porque é a forma inteligente de desproblematizar. Caso contrário, simplificamos, banalizamos, distorcemos em excesso. Basta que saibamos colocar o intento de problematização no seu devido lugar: é uma habilidade propedêutica, não o sentido da coisa. Problematizamos para melhor desproblematizar e, assim fazendo, não caímos na armadilha de querer acabar com os problemas. Com isso, chegamos também ao nível fundamental do saber pensar, que é a importância dos erros. Aprende‑se muito a partir dos desacertos, sobretudo porque nos damos conta de nossa falibilidade. É preciso analisar melhor, olhar mais longe, aprender mais. Só não erra a máquina totalmente linear, reversível, que faz para frente o mesmo que faz para trás, que nada inventa. O aperfeiçoamento constante da aprendizagem permanente é diretamente proporcional aos erros cometidos e às suas retomadas. Nesse sentido, a idéia apressada de resolver os problemas coincidiria com a pretensão de acabar com os erros, cometendo o pior deles.

O espírito crítico é o modo que temos de olhar fundo, de ser impiedoso na análise, de ver sobretudo o que não se quer ver, mas é método. Dele não provém a felicidade. O saber pensar não pode escorregar para o lado mórbido da crítica, que já se compraz em destruir. Educativamente falando, a desconstrução só se completa e ganha significado na reconstrução. Contudo, engana‑se menos quem mantém o espírito crítico. Aprende continuamente quem sabe equilibrar a busca de soluções com o reconhecimento tranqüilo da complexidade das coisas e da vida. Boa parte da aprendizagem inteligente é a busca desse meio-termo escorregadio, reconhecendo-se que solucionar problemas é, principalmente, saber administrá-los bem.

Fonte
RESOLUÇÃO de problemas. [S.l.: s.n.].

Denis - 30.10.2010

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