As
mulheres estão sendo enganadas pela história. Escaparam da tirania machista de
uma cultura assentada no masculino e caíram na tirania de que ser mulher é ser
multimulher. Entre o lar opressivo de ontem e a opressão da eficiência em tudo
que faz, a mulher não sabe o que decidir.
Esmagadas
pela cobrança, tácita ou não, da maternidade num invólucro com prazo de
validade vencido, o casamento, as mulheres brasileiras ainda não completaram
historicamente o que suas homônimas já fizeram nos países ocidentais avançados.
As mulheres ocupam 60% das vagas nas universidades brasileiras, em breve serão
maioria no mercado de trabalho (nos Estados Unidos já são). Aliás, em alguns
anos talvez ganhem mais do que os homens. Entretanto, o que mais se ouve em
sala de professores, cafezinho de empresa e bate-papos é quase um uníssono de
reclamação por parte delas, de que não estão contentes, muito menos
satisfeitas.
Cada
vez mais presentes no mercado de trabalho, ainda não conseguiram se desligar do
espaço doméstico. São cada vez mais competentes e cada vez mais presas
emocionalmente. Os filhos ainda são uma responsabilidade emocional (e também
material) mais da mulher do que homem. Pressionadas por padrões de beleza
inatingíveis, convertem-se em algozes de si mesmas, cobrando perfeição e
jovialidade a cada ruga, gordura ou cabelos brancos que nelas surjam. A
liberdade sexual se converteu em mais sofrimento, na mesma medida que liberada
no discurso não consegue sê-lo na prática nem sentimentalmente. Ou, liberadas
sexualmente, mas oprimidas pela idade.
Numa
sociedade de consumo cada vez mais ajustada aos interesses da mulher, ela se
transformou no consumidor ideal, compra compulsivamente e compra justamente
aquele modelo inatingível, e quanto mais inatingível maior o esforço de
continuar comprando. Estressada pelas cobranças na rua e em casa, pela empresa
e pelos filhos, sobra-lhe a infidelidade de ambos. O emprego num mercado de
trabalho global não é e nem pode ser garantido; em casa, a distância dos
filhos, a impossibilidade crônica de estar por perto, quando a vida impõe
distâncias, terminam por gerar mães ansiosas e filhos inseguros.
A
mulher brasileira não sabe como conciliar, se é que é possível, família e
futuro, o seu futuro. Se investir na família, ainda sim precisa continuar
sexualmente atraente e com um pé no mercado amoroso, uma vez que nada garante a
estabilidade do seu casamento. Se investir demais na família, perde espaço no
mercado de trabalho, o que pode ser fatal. Investimento em família significa
recurso emocional em torno de um projeto coletivo; envolvimento emocional é uma
amarra que quando consensualmente aceita por ambos dá bons resultados, mas se
um dos dois roer a corda, o outro arca com as consequências psíquicas de um
projeto falido.
A
falência de um casamento para a mulher costuma lhe acarretar maiores prejuízos.
Dependendo do tempo, da quantidade de filhos (um ou dois), da idade, ela pode
estar em grande desvantagem para o recomeço numa nova relação. A idade favorece
mais o homem do que a mulher, o homem mais velho goza do prestígio e do charme
que lhe recai pela idade; a mulher mais velha, numa sociedade assentada na
beleza juvenil, perde valor e atrativo à medida que o tempo passa. Não fosse só
isso, ainda sofre o machismo de arcar com o peso da separação numa cultura que
sobrevaloriza o casamento e o matrimônio. Separada, mais velha, com filhos e
sem garantias.
Sendo
esse o pano de fundo onde atuam as mulheres, a maioria ainda quer casar e ter
filhos e, se não os quer, não diz, nem se afirma em outra direção. Na rua e no
mercado de trabalho, mas esmagadas pela pressão do lar, do casamento, dos
filhos e da família. Sem poder voltar para casa, nem conseguindo completar sua
saída, as mulheres vivem uma situação paradoxal no Brasil; a família se esvaziou
e perdeu significado, a mulher perdeu o lugar e ainda não tem outro, aliás,
tem, é o mercado de trabalho que vê nela mais qualidades para serem exploradas
do que possui o homem. Nesse sentido, a mulher brasileira está entre o lar sem
significado e o mercado de trabalho que mais oprime do que liberta.
O
tempo histórico é o das mulheres, mas é também um tempo dominado pelo mercado
de trabalho desregulado e liquefeito e onde a mulher caminha a passos largos
para ser a maioria. A questão mais intrigante neste momento talvez não seja
exatamente sobre o que elas ganharam nestas décadas, e sem ironia, ganharam
muito, mas o que perderam ou, ainda, precisam ganhar.
Luciano
Alvarenga, Sociólogo.
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