quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


O ecossistema tóxico da política partidária

Luciano Alvarenga

Os partidos políticos passaram a se modelar desde a formação dos Estados nacionais no século XVI e ganharam sua coloração atual, especialmente, a partir da Revolução Francesa. Ninguém questiona, no mundo todo, o fato de que os partidos estão em grave crise de representatividade. O fim das ideologias tipo branco e preto, a mercantilização da vida em todas as dimensões, a transformação do cidadão em consumidor, os graves e profundos problemas para os quais parece não haver solução vêm tornando os indivíduos, e a população de forma geral, completamente desinteressados da política e, por extensão, dos partidos. Descolados da sociedade, sem nenhuma conexão com as mudanças já operadas e as que estão por vir, os partidos se transformaram numa máquina de representação apenas e, exclusivamente, de interesses econômicos corporativos, além de um meio de vida de uma escória que se vende continuamente nos parlamentos.

Partidos grandes, pequenos ou nanicos, são todos compostos da mesma matéria-prima: sua própria sobrevivência e a daqueles que vivem dependurados nos partidos. A lógica de sobrevivência partidária num contexto de descoloração ideológica tornou os políticos profissionais treinados na arte de iludir o público externo e ganhar a vida na selva da luta política. É tamanho e hercúleo o esforço de sobreviver na luta política que os partidos e seus membros não podem se dedicar a nada que não seja as razões de sua própria sobrevivência. Trabalhos, projetos, programas ou qualquer coisa que diga respeito à população e seus interesses devem ser atendidos apenas no limite extremo da necessidade sem que com isso se comprometa a meta maior que é manutenção da vitalidade partidária. A sociedade é uma externalidade (termo técnico da economia que designa o efeito colateral produzido por alguma coisa e sobre o qual nada pode ser feito) da política, convive-se com ela por ser impossível retirá-la da equação. Melhor seria para o mundo da política que ela não existisse.

Toda a lógica partidária visa a manutenção de seus membros, e qualquer outro partido ou indivíduo de dentro do sistema ou de fora que traga alguma ameaça ao seu funcionamento deve ser combatido e extirpado. Nesse sentido, o próprio sucesso dentro do mundo da política representa aceitar a regra número um: a sobrevivência e o crescimento do partido. Como o sucesso na política institucional implica o acesso a enormes somas de recursos financeiros, dado o caráter publicitário das eleições, tem-se que já no período pré-eleitoral os candidatos são forçados a abrir mão de qualquer projeto que signifique compromisso com a população. O compromisso não é com a população é com o partido, sendo assim e apenas assim, para receber os recursos necessários à própria eleição.

A prerrogativa incontornável de recursos financeiros numa eleição joga os candidatos uns contra os outros já no próprio partido. Sobreviver em um partido é o mesmo que lutar pela existência dentro de um rio de piranhas; não importa de quem seja o sangue, desde que seja sangue. Sobreviver significa não apenas manter-se, mas impedir que os outros sobrevivam ou que, pelo menos, sobrevivam apenas e tão somente em um limiar que não signifique ameaça aos que estão mais bem posicionados dentro desse partido. É justamente essa lei de ferro dos partidos que rapidamente impõe a seus membros abrir mão de qualquer princípio ético e moral. Quem se guia por regras ou princípios de qualquer tipo pode não sobreviver politicamente, tendo em vista o fato de que os outros, a esmagadora maioria, não têm pudores em usar os mais sórdidos expedientes, contra quem quer que seja, por mais espaço e força que tenha dentro do partido e do sistema partidário.

Encontrar políticos fazendo coisas abertamente contrárias ao que afirmavam num momento anterior, ou mesmo abraçando e se conjugando com inimigos mortais é a prova mais visível ao público externo das exigências imperativas do jogo político.  A ideia ventilada por alguns funcionários do sistema partidário - pessoas muito longe do sucesso político, ainda que próximas o bastante da população para dizer tais coisas - de que a única maneira de mudar o jogo sujo da política é entrando nele é, na verdade, uma maneira cínica de rebaixar o cidadão e retirar de si mesmos sua profunda responsabilidade pelo estado tóxico do ecossistema político.

A fama verídica de sordidez e falta de limites éticos e morais da classe política é o resultado inevitável de um jogo onde qualquer coisa de baixíssimo nível é legítima e plenamente aceita, e não há fronteira, costume ou lei que impeça esses funcionários da política a serviço de si mesmos de fazerem o que fazem. A política há muito tempo deixou de ser um farol que permitia antever o futuro, transformando-se hoje no submundo onde proliferam e se multiplicam com potencial cada vez maior o que há de pior na sociedade. Com tal cenário dominando a realidade, cabe a pergunta: que tipo de democracia realmente temos?

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